quarta-feira, 6 de maio de 2009
TEXTO DE HOFFMANN RELACIONADO A LEITURA
APRENDER A LER OU A GOSTAR DE LER?
Por Jussara Hoffmann
Os verdadeiros analfabetos - escreveu Mário Quintana -, são aqueles que aprenderam a ler e não lêem! Reflito sobre as palavras de Quintana, em meio a livros, escritores, leitores e alfabetizadores. Se pudesse conversar com ele, perguntar-lhe-ia: quem não lê, aprendeu mesmo a ler, meu poeta?
Ler envolve, mais do que saber ler, sobretudo gostar de ler.
E o que significa aprender a gostar de ler? Para explicar a diferença, terei de falar em “metáforas”.
Há muitos textos didáticos (são os que estão mais presentes nas escolas), textos informativos, teóricos. Textos que apontam dados, que enunciam fatos, que não podem ser “imaginados”, apenas entendidos, memorizados pelo leitor. E existem os romances, as poesias, os filmes, as fotografias, as propagandas de TV, os cartazes publicitários, as obras de arte, as esculturas. Estes são textos para se imaginar, para se recriar, para sonhar... Deles fazem parte as cores, as formas, as imagens, as palavras, “as metáforas”...
Para gostar de ler é preciso entender de “metáforas”, ler para viver e reviver o que somos e sentimos.
Você não pode embarcar de novo na vida, diz Orhan Pamuk, quando ela termina, mas um livro, por mais complexo ou difícil que seja, ao terminá-lo, você pode voltar ao seu começo, ler de novo, e assim compreender o que é difícil, entendendo também a vida. Esta é a riqueza de um bom livro.
Ler é compreender os múltiplos sentidos das palavras nos textos, reconstruí-las, atribuir-lhes novos significados. As palavras não possuem um único sentido. Se tivessem, seria fácil ensinar a ler. Entre o escritor e o leitor há um espaço de magia absoluta, que se cria no trajeto entre a mensagem que o escritor pensou enviar e a que foi recebida pelo leitor. Em cada caso, diz Alberto Manguel, é o leitor que lê o sentido, é o leitor que confere a um objeto, lugar ou acontecimento uma certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles. Diz ainda Manguel que não podemos deixar de ler. Ler é quase como respirar, é nossa função essencial.
Mas a verdade é que ler metáforas não é assim tão simples. É preciso ir além das palavras, além das imagens, das cores – ir além dos textos, buscando os vários sentidos pelos quais esses textos são “lidos” por cada leitor a partir de sua experiência de vida, de seu contexto social. Isto não acontecerá senão pela mediação de um leitor mais experiente, organizando espaços ricos de leitura, propondo textos adequados a cada leitor, diversificando tais textos. Experimente oferecer um livro sem gravuras a uma criança pequena. Ele não irá atraí-la.
Nas suas dimensões mais substanciais, o processo metafórico é um ato reconstrutivo, que depende das significações possíveis para cada pessoa. A tensão que se cria entre o real e o simbólico leva cada leitor a reagir de forma diferente ao que lê, revelando seus próprios sentimentos, emoções, raivas, angústias, recriando o que lê. Nesse momento da leitura, é muito importante trocar impressões, ter alguém com quem trocar as idéias que reconstruiu, podendo assim transformar o texto lido em um novo texto, a pensar em sua própria vida, renovando-a.
Ensinar crianças e jovens a “gostar de ler” é uma mágica tarefa. Em primeiro lugar, é mister ser um apaixonado pela leitura, para saber escolher os textos certos, que despertem nos leitores iniciantes a mesma paixão que já sente o ensinante. Em segundo, é mister dar tempo, a cada leitor, para “conversar” sobre as metáforas, sobre as “leituras” que cada um fez dos seus textos.
Um professor de português me pergunta por onde começar. Eu sugiro apenas o começo de tudo: lendo para os alunos todo dia. Pequenos textos, poesias, mostrando imagens, fotografias, propagandas interessantes de revistas. “Nenhum dia sem uma leitura”, diria, inspirada em Walter Galvani. Breves de início, para o seu despertar. Depois, convide os alunos a fazerem isto. Todo santo dia ler alguma coisa para os outros!
Para gostar de ler é preciso ler para ler! Ler para ser ouvido! Ler em voz alta com emoção, com paixão! Não a leitura chata de textos chatos para aprender alguma coisa. Mas a leitura bela, a poesia, a letra de música... É interessante também sugerir que contem as histórias dos seus textos, mas para aqueles que ainda não a conhecem – não é chato ouvir falar de um filme a que já se assistiu, de um livro que já se leu? É muito legal, por exemplo, contar o capítulo da novela que alguém perdeu.
É possível, sim, ensinar a gostar de ler! Desde que não se cometa, como diz Daniel Pennac, o pecado capital contra o prazer da leitura: obrigar a ler! Na escola, costuma-se transformar um belo livro em uma resenha para nota. Maçante! Diz Pennac que assim como amar e sonhar, o verbo ler não suporta o imperativo!
Vou torcer muito, professores e professoras, para que vocês “gostem de ler” esse texto!
Referências bibliográficas
Galvani, Walter. Crônica: o vôo da palavra. Porto Alegre: Editora Mediação, 2006.
Manguel, Alberto. Uma história de leitura. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1977.
Pamuk, Orhan. A cidadela branca. Lisboa: Editorial Presença, 2000.
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O texto é bastante interessante! Algumas questóes: em que medida este texto se articula com nossas discussões em sala de aula? Como vocë se coloca diante dessas ideias? É favorável? É contrária? Parcial ou totalmente? Que tal se colocar sobre o texto?? Um dos propósitos do portfólio vincula-se à capacidade de relacionar nossa temática a outros materiais, mas é fundamental que seja feita um análise, um comentário, uma reflexão sobre os materiais selecionados confrontando-os aos textos indicados para a disciplina. Ok?
ResponderExcluirAbs
Ivan
CARO PROF, QUERIA PRIMEIRO PÚBLICAR O TEXTO, APÓS ALGUNS DIAS PUBLICAR MEU OLHAR, PARA NÃO DIRECIONAR OS DEMAIS PARA ONDE O MEU FOI.
ResponderExcluirParabéns, incrível este texto! O aprendizado da leitura é imprescindível e está vinculado à interpretação. Acredito muito no hábito da leitura, entretanto, nem sempre foi assim.
ResponderExcluirHoje curso pedagogia com um grande objetivo, mudar a educação, melhorar, e um dia ser professor universitário, sei que o caminho é longo, mas não foi em três anos que os gregos construíram a democracia.
Desculpe-me os erros, mas estou construindo o conhecimento.
Obrigado pelo texto, realmente maravilhoso!
Dimas
Nobre seus objetivos, não se perca pelo caminho.
Excluiresse fundo verde atrapalha bastante a leitura.
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